quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Ponte

Eu era rígido e frio, eu era uma ponte; estendido sobre um precipício eu
estava. Aquém estavam as pontas dos pés, além, as mãos, encravadas; no lôdo
quebradiço mordi, firmando-me. As pontas da minha casaca ondeavam aos
meus lados. No fundo rumorejava o gelado arroio das trutas. Nenhum turista
se extraviava até estas alturas intransitáveis, a ponte não figurava ainda nos
mapas. Assim jazia eu e esperava; devia esperar. Nenhuma ponte que tenha
sido construída alguma vez, pode deixar de ser ponte sem destruir-me. Foi
certa vez, para o entardecer – se foi o primeiro, se foi o milésimo, não o sei –
meus pensamentos andavam sempre confusos, giravam, sempre em círculo.
Para o entardecer, no verão, obscuramente murmurava o arroio, quando ouvi o
passo de um homem.
A mim, a mim. Estira-te, ponte, coloca-te em posição, viga órfã de
balaústres, sustém aquele que te foi confiado. Nivela imperceptivelmente a
incerteza de seu passo, mas se cambaleia, dá-te a conhecer e, como um deus
da montanha, atira-o à terra firme. Veio, golpeou-me com a ponta férrea de
seu bastão, depois ergueu com ela as pontas de minha casaca e arrumou-as
sôbre mim. Com a ponta andou entre meu cabelo emaranhado e a deixou
longo tempo ali dentro, olhando provavelmente com olhos selvagens ao seu
redor. Mas então – quando eu sonhava atrás dele sobre montanhas e vales –
saltou, caindo com ambos os pés na metade de meu corpo. Estremeci -me em
meio da dor selvagem, ignorante de tudo o mais.
Quem era? Uma criança? Um sonho? Um assaltante de estrada? Um
suicida? Um tentador? Um destruidor? E voltei-me para vê-lo. A ponta de
volta! Não me voltara ainda, e já me precipitava, precipitava-me e já estava
dilacerado e varado nos pontiagudos calhaus que sempre me tinham olhado
tão aprazilvelmente da água veloz.

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